O aquecimento global é um dos grandes desafios que o Brasil e o mundo enfrentam hoje e impactará na agricultura de várias formas e escalas, algumas positivas e outras negativas. O alerta é do gerente de Desenvolvimento de Mercado Daniel Meyer, da Associação Internacional de Soja Responsável (RTRS). Segundo ele, entre os principais perigos está o aparecimento de condições meteorológicas cada vez mais incertas e extremas.
“Por exemplo, temperaturas mais elevadas aumentam a energia do sistema climático planetário, intensificando as secas e catalisando incêndios florestais, mas também criam tempestades e chuvas mais pesadas, tornando-as potencialmente mais destrutivas, trazendo perdas e custos para o produtor rural”, diz Meyer.
O primeiro semestre do ano passado teve uma temperatura de 0,85ºC acima da média global e foi o mais quente desde 1880, de acordo com a agência norte–americana The National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), que atua no setor de de pesquisas atmosféricas e oceânicas. Esta tendência está atualmente sendo reforçada pelo fenômeno El Niño – causado pelo aquecimento das águas no Oceano Pacífico.
As consequências no Brasil têm sido temperaturas mais elevadas no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste e uma situação de calamidade no sul, causada pelas intensas e constantes chuvas.
O IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) alerta que, para garantir a conservação da vida no planeta, da maneira como é conhecida hoje, é preciso manter o aumento da temperatura abaixo dos 2°C até 2100. A meta exigirá mudanças de hábitos e reduções drásticas de emissões de gases de efeito estufa por parte de vários países e setores.
A notícia boa é que, de acordo com o gerente da RTRS, ao longo da sua história a agricultura sempre foi submetida aos perigos climáticos, mas mesmo assim conseguiu evoluir. De tal modo, o impacto do aquecimento global vai depender do próprio “choque” e a resiliência do sistema produtivo em questão. Reduzir a vulnerabilidade dos nossos sistemas agroalimentares e reforçar a sua capacidade de adaptação será uma tarefa essencial para qualquer política de desenvolvimento agrícola.
BRASIL
Tem sido amplamente reconhecido que países em desenvolvimento estão em posição de perder mais com o aquecimento global, explica Meyer, acrescentando que danos e custos serão geralmente superiores em regiões sem capacitação e preparo, e em áreas mais quentes onde as temperaturas já tendem a estar perto de níveis de tolerância das culturas.
“Conforme o último estudo elaborado pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e o Banco Mundial, o Brasil já perde 1% de crescimento do PIB agrícola (Produto Interno bruto), anualmente, por riscos extremos, como secas, tempestades, pragas e doenças, entre outros”, ressalta o gerente da RTRS.
Ele salienta que “não resta dúvida de que, durante as últimas décadas, a agricultura brasileira também arquitetou uma história de sucesso”. “Além de já ser atualmente um dos maiores produtores mundiais de alimentos, com agricultores persistentes, dinâmicos e competitivos, que se auxiliam da ciência e da tecnologia no seu dia a dia, o Brasil conseguiu um fato histórico – desde 2004 reduziu em 70% o desmatamento na sua fronteira agrícola (Amazônia) e evitou a emissão de mais de 3 Gt de CO2 para a atmosfera.”
Meyer ainda destaca que “o Brasil ainda tem 530 milhões de hectares (62% do seu território) cobertos com vegetação nativa”. “Esta vasta cobertura florestal ajuda mitigar alguns dos perigos relacionados com o aquecimento global, como a redução da erosão, a manutenção do regime de chuvas e sequestro de carbono.”
Por outro lado, ele garante que ainda falta muito que fazer no Brasil. E cita o novo Código Florestal (implantado no ano passado) e o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) que, a seu ver, trazem várias possibilidades, “mas a sua implementação tem de ser imediata”.
“Não podemos estabelecer metas sobre recuperação de áreas degradadas, redução de gases de efeito estufa ou acabar com desmatamento ilegal, para serem cumpridas só daqui a 15, 20 anos. A lei, as ações e os recursos devem ser regulamentadas e aplicadas imediatamente, de forma mais abrangente e menos burocrática possível.”
FINANCIAMENTO
Para ele, “é preciso reinventar a política ambiental e os mecanismos de financiamento”. “Hoje, a maior parte do financiamento no Brasil, para projetos relacionados com as mudanças climáticas, é formado quase que exclusivamente por doações dos governos da Noruega e Alemanha. Só 12% do total, ou US$ 6,6 milhões, são recursos do governo brasileiro.”
Neste sentido, ele afirma que Brasil precisa criar novas instituições e incentivos econômicos inovadores, principalmente no campo como, por exemplo, a RTRS, “e outros esquemas de certificação que estão fazendo, apoiando diretamente propriedades rurais e regiões que já estão fazendo a sua parte ou que tenham interesse em aderir ao novo movimento”.
Por último, segundo Meyer, as empresas e instituições financeiras brasileiras precisam avançar bastante na gestão de risco, na prevenção e no alerta dentro das nossas cadeias produtivas.
“Muito se fala do sucesso e da sustentabilidade dentro da porteira, mas pouco da fragilidade e a resiliência dos nossos sistemas agroalimentares. Os impactos do aquecimento global ocorrem em diversas escalas e podem criar efeitos dominós”, alerta.
Ele explica que “uma seca prolongada numa região pode reduzir a disponibilidade de água e pastagem aumentando a demanda por suplementação e insumos, que aumenta os preços e força os proprietários a vender, ou mover, seu gado”. “Consequentemente, o ingresso daquela região vai ser menor e o preço do alimento maior, e por aí segue.”
Por isto, acentua, “será fundamental entender melhor se as nossas cadeias produtivas realmente estão preparadas para as futuras surpresas climáticas e quais seriam as áreas de maior e menor risco para todos os envolvidos na cadeia de produção”.
AGRICULTURA INTELIGENTE
Meyer destaca a importância de agricultura climaticamente inteligente, que tem como objetivo reforçar a capacidade do produtor rural em mitigar e se adaptar às alterações climáticas e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade agrícola e a renda do produtor.
“As práticas agrícolas climaticamente inteligentes devem buscar a redução de gases de efeito estufa, o que exige mudanças de práticas, novos sistemas de produção, incluindo mais eficiência no uso dos recursos naturais, implementação de energias limpas, preservação de florestas e aumento do sequestro de carbono”, esclarece.
Como a agricultura contribui com aproximadamente 30% das emissões globais, diz Meyer, a RTRS usa como um dos seus critérios de produção a redução gradual dos gases de efeito estufa dentro da propriedade. Existem também outros critérios de mitigação e adaptação inter-relacionados como a gestão integrada, a rotação de culturas e requerimentos sistemáticas dentro da cadeia de abastecimento.
“A RTRS é mais que um padrão. Ela é uma associação internacional com a missão de promover, produzir e comercializar a soja de forma sustentável dentro da cadeia de custódia. Uma plataforma transversal, com quase 200 membros, muitos deles com projetos exclusivos, que buscam desenvolver estratégias e soluções para mitigar o aquecimento global dentro da cadeia de abastecimento da soja. Acreditamos assim que todos devem ser parte da solução.”
COP 21
Membros da diretoria da RTRS estiveram presentes na COP21 em Paris, como representantes da Earth Innovation Institute, WWF, Solidaridad, entre outros, participando das discussões sobre como o desenvolvimento rural pode mitigar e se adaptar aos desafios das mudanças climáticas.
Também foi discutido como financiadores, governos e empresas podem melhorar a coordenação com as organizações locais e agricultores na cadeia de abastecimento, reforçando a importância das iniciativas público-privadas, a gestão territorial e a certificação como parte das soluções.
Entre os principais pontos acatados na COP21, Meyer destaca o consenso político global para enfrentar os desafios em não atingir um aumento da temperatura global em dois graus célsius. “Tal aumento contém riscos significativos para a agricultura, sistemas produtivos e os ecossistemas, já que pode desencadear retroalimentações potencialmente perigosas que aceleram o aquecimento.
Na opinião do gerente da RTRS, “a COP21 mostrou que existe uma vontade política de fazer uma ponte com a ciência, bem como um interesse em experimentar diferentes maneiras de financiar e trabalhar os desafios relacionados com as mudanças climáticas”.
Por equipe SNA/SP